A Demo Amarela




não achei a capa em casa, ok?

Toda boa banda tem um disco que tem cor no nome: o white album dos Beatles, o black album do Prince, o grey album do Dangermouse, o blue album do weezer (que depois inventou o conceito de discografia arco-íris...). E como ninguém pegou a cor amarela, ela é nossa.

A Demo Amarela, como as outras obras supracitadas, não tinha título e a cor predominante da capa ficou como designação. Diferente delas, a gente devia ter não mais que 100 reais pra produzir uma fita em 1994 e foi graças à parceria do produtor Luciano Menezes que conseguimos registrar essas músicas.

Foi um momento marcante pro nosso som, porque eu ouço nessas músicas um embrião mais claro que viemos a fazer depois, com bases e esquemas que se mantém até hoje, mais especificamente a ausência total de bridge antes dos refrões, uma mania de não ter refrões cantados e uma certa tendência à repetição primitiva de riffs tortos de guitarra ou bateria (o que viria anos depois ser chamado de stoner, mas a nossa fonte é outra, a tosquice).

As gravações foram muito simples: algumas horas numa noite pras bases e mais algumas horas na noite seguinte pros vocais e uns solos (se é que dá pra chamar assim) de guitarra. Não tenho lembranças curiosas ou engraçadas. Lembro só que tava muito frio. E que tudo aconteceu num estúdio anterior do Thomas Dreher (produtor de clássicos do rock gaúcho), onde o Luciano trabalhava.

Pros padrões de hoje o som da fita é tosquíssimo, mas eu acho que o Luciano fez um bom trabalho. Ficou uma sujeira totalmente condizente com as músicas. Ouvidos acostumados a um certo nível de zoeira conseguem distinguir tudo e sacar que ali tem muitas referências de timbres da época, especialmente Mudhoney, Nirvana e, prestatenção, Dinosaur Jr.





Relendo uma resenha de um fanzine da época, vi que o Nino Lee (ex-Maria do Relento) fez backing em algumas faixas, provavelmente Esperar Não Adianta (total Nirvana, sem vergonhice pura) e Furação de Oklahoma - essa última uma tentativa de emular o dito cow punk do Meat Puppets, banda que eu curtia na época.

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Aliás, juntar todas as referiências que ouvíamos era um problema. Até o primeiro disco ainda pecamos por meter no meio do repertório umas canções mais melosas que, apesar de nem sempre serem ruins, ficavam meio esquisitas. Aqui, em especial eu falo de Mar Vermelho e Chocolatta. Cláudia Liz não. Porque Cláudia Liz é um capítulo à parte.

Inspirado em umas fotos de uma revista Interview, se não me engano, escrevi um profundo poema pra essa ex-musa inspiradora, repleta de rimas ricas e figuras de linguagem sofisticadas que causam comoção em certos fãs antigos do estado de Santa Catarina, especificamente aqueles menos versados na arte da sinuca. Ouça o som e depois conversamos. Se você conseguir não se deixar emocionar pela linda letra, vai perceber um power pop por baixo, meio nadaver com o som que fomos desenvolvendo.

Algumas músicas da Demo Amarela foram parar no nosso primeiro CD, que sairia três anos depois: "Sapiência 2" (uma das minhas prediletas até hoje), Lugarlindo (que voltamos a tocar nos shows desde o ano passado) e "Again" (que regravamos também na mesma sessão do Playback e está disponível pra download na Trama Virtual). "Conceito/Contrato" teve a letra alterada em 2001 e entrou no Anticontrole como "Eu Vou Vivendo". E "Não Edifício" foi regravada com a letra original no mês passado pra talvez entrar no disco novo. Esse lance pode parecer masturbação da própria obra (deve ser), mas a real também é que são músicas que ainda fazem total sentido dentro do nosso repertório atual. A gente toca elas misturadas com as músicas novas e as coisas simplesmente encaixam.







Enfim.

Gravada a fita, fizemos o que era de praxe pra nós naqueles tempos: nada. A Demo Amarela ficou engavetada por quase um ano e só saiu porque o Guilherme Darisbo (ou Maverick, o Mítico), resolveu fazer uma coisa mais complicada do que montar banda ou fanzine em 1994, que era abrir um selo.

A Demo Amarela foi um dos primeiros lançamentos do Hipocampo ao lado do projeto do próprio Maverick e da praticamente lendária cassete experimental "100Km com um Sapato" dos sergipanos do Lacertae (mesmo que você não curtisse o som teria que dar um crédito para um dos melhores nomes de demo dos anos 90).

E foi aí que começaram a aparecer as resenhas em fanzines do Brasil todo, chegando cartas cheias de flyers toda semana. Foi essa comunicação começou a estabelecer, pra nós, uma rede de contatos que seria crucial a partir de 97, quando a internet apareceu de vez na nossa vida.




A uma certa altura do campeonato, acho que o Maverick fez (ou nós fizemos) um acordo com o Midsummer Madness, porque tenho a impressão de que eles também distribuíram essa fita. O que não fazia muito sentido em termos do perfil do catálogo da gravadora, mas que era bom pra nós porque o MM sempre foi muito ativo. No mínimo estávamos lá no catálogo dos caras.

O mérito dessa fita ter saído é todo do Maverick então, perdoem ele por qualquer outra coisa. Não lembro de depois nós fizemos cópias próprias também. É provável que sim. Mas foi ele que deu esse primeiro empurrão na história.

Se eu me lembrar de mais algo, conto depois.

Lama Verde - últimas do 90 Graus


Foto de uma sessão com o Raul Krebs no Parque da Redenção na época do 90 Graus. A foto foi feita com uma pinhole sinistra, russa, se não me engano. Essa foto foi muito importante na nossa carreira, pois nela nós tipo, digamos, estabelecemos de fato nosso standar de cara de mau.

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Ela foi parar numa matéria da Bizz na época. Clica na imagem que ela aumenta:




O grande problema dessas fotos de cara de mau é que depois você faz uma foto como essa aí de baixo e põe tudo a perder. Tsc tsc tsc.


Segundo Caderno / Jornal Zero Hora / 1998

Novos cartazes no Flickr



Vai lá e dá uma olhada.

Mais sobre o 90 Graus



A foto da capa do disco foi tirada pelo Daniel Martins, na época meu colega de agência. Uma manhã na República Tcheca e alguns velhinhos com jeito de mafiosos: é tudo que você quer pra capa de um disco. Mandei umas perguntas pro Daniel pra ver se ele lembrava algo da época. Ah: não deixem de ver as fotos de viagem do cara.

Me conta porque tu tirou essa foto?
Achei que era um quadro que eu veria só ali, naquela cidade.
O q tu viu nesses caras?
Tava bêbado, era cedo, estávamos saindo de um bar.
Tu lembrou dos walverdes? Ou foi depois q tu me mostrou e tivemos a idéia de usar?
Sempre que vejo algo interessante ou bizarro lembro de ti.
Lembro q a gente comentou algo de parecerem mafiosos... tu teve essa impressão?
O fato de eles serem parecidos com mafiosos, vi somente quando revelei o filme.

A banda e o designer (Renan Schmidt, da Parafuso) curtiram a idéia de usar a foto e pronto. Aliás, o Renan merece um post à parte um dia.


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Resenha do Gleber, de Joinville. Clica na imagem que aumenta e dá pra ler na buena.

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"O disco '90°', com a banda gaúcha Walverdes é, talvez, o disco mais importante da origem dessa trajetória independente que, tendo 1998 como um suposto marco-zero, resultou no que vivemos atualmente. Numa época em que prevalecia a eletrônica, com o "hype" do drum'n'bass, e a maioria das bandas cantava em inglês, este disco era uma sinalização de que outros caminhos eram possíveis. Nos limites dos "gauleses", este disco, certamente, foi um estímulo para o surgimento, tempos depois, de bandas como Supergudis, por exemplo, além do tradicional "rock gaúcho"."

Palavras do Fernando Rosa.

Anotações meio randômicas sobre o 90 Graus


De 93 passamos direto a 98 pra falar do 90 Graus. Por que isso? Porque o CD está sendo relançado essa semana pela Open Field, gravadora de São Paulo responsável também por lançamentos de Bonde do Rolê, DJ Guab, Sebastião Estiva, Colorir, Lulina, Pan&Tone, Tony Da Gatorra.... então vê se você entende o que estamos fazendo aí... eu não faço a menor idéia.

O show de lançamento é nessa quinta no Milo (SP). Depois na sexta tem show no Praga (SP) e sábado no Bar do Zé em Campinas. Se liga na agenda do Myspace.

Mas, enfim, o fato é que uma galera - falando sério - vem pedindo que relancemos esse disco porque a primeira tiragem de 1999, lançada em parceria com a Monstro Discos (90 Graus foi o número 009 da Monstro!!!), acabou. Então agora tem de novo.

Ah: ornando esse post estão fotos da gravação do 90 Graus.

dessa bagunça só podia sair outra bagunça

Todos os discos dos Walverdes são de transição, mas o 90 Graus tem um significado muito especial em vários aspectos.

Primeiro porque ele foi mais peneirado que o álbum de estréia: um tiquitito mais experientes, resolvemos gravar logo de cara um set menor de músicas do que registrar tudo o que estávamos fazendo. Se isso deixou o 90 Graus com cara de EP, também fez dele um conjunto mais conciso e eficiente.

Outro ponto importante, e também diferente do primeiro disco, em 90 Graus reencontramos uma sonoridade mais crua e mais a ver com a essência do nosso som que está presente nas fitas cassetes lançadas anteriormente. Na verdade, 3 músicas de 90 Graus vieram da nossa última incursão no mundo do magnetismo: “Vem”, “Spaghetti” e “1996” faziam parte do tracklist da fita “Walverdes ao Vivo no Japão”.


coisa rara pra nós na época: afinação

O 90 Graus foi todo composto e gravado numa época meio dispersa da banda. Entre 97 e 99 estávamos cada um para um lado. Era uma época estranha, de bem poucos shows em Porto Alegre. A cena vivia uma entressafra. Estamos falando de 98 e uma outra cena bastante influente começava a despontar na cidade, em parte capitaneada pelo COL – CARDOSO ON LINE, um fanzine totalmente por email com textos de estudantes de comunicação cheios de gás e referências maluquetes. O COL foi uma das partes mais visíveis dos “novos tempos”, com seus bailões pioneiros movidos a mp3 em computadores toscos que eram montados em cima do palco do Garagem Hermética. Por outro lado, havia as Full Moon Parties, também no Garagem, misturando pela primeira vez o povo do rock e da eletrônica num ensaio do que viria a acontecer com mais propriedade quase dez anos depois. Em uma outra esfera, a música eletrônica tomava o espaço das bandas de rock, não por antagonismo, mas porque a cultura das raves (à base, primordialmente, de techno) começava lentamente a chegar na cidade com os tradicionais cinco anos de atraso. Ainda que patrocinadas e não muito clandestinas, as raves da época eram pulsantes, misturavam povos de várias nações, credos e estilos, o que hoje se perdeu totalmente na cidade. Outras festas bastante freqüentadas e mais interessantes que os shows de rock da época eram as Quartas Quebradas, totalmente dedicadas ao drum’n’bass.

O fato é que a cena do rock independente andava meio capenga e nós também. Sem muitos shows rolando, acabamos nos envolvendo em projetos paralelos. O Bruno, o Gian e o Marcos foram convidados pelo Wander para acompanhá-lo em uma turnê e na gravação do Buenos Dias. Antes, os três junto com o vocalista Renato Simpson, formavam a Chulé de Coturno, um excelente combo punk que havia entrado em estado de suspensão quando Renato se mandou pro Rio por conta do seu trabalho de jornalista.


iuri e o computador da batcaverna

Eu, de minha parte, havia voltado a tocar bateria esporadicamente com a Wafers - que contava com a Veri (hoje Hotel Camboja) no baixo e o Mauricio na guitarra, que logo viria a criar uma das personas mais famosas de Porto Alegre depois do Júpiter Maçã: Zé do Belo. Acho que fizemos apenas um show e gravamos duas músicas antes de eu cair fora da banda.

Nessa mesma época, o Pedro Veríssimo me contou que estava trabalhando em um novo projeto de um produtor meio americano meio brasileiro que recém estava de volta à cidade. Charles di Pinto, o Cholly, queria aproveitar seus equipamentos gringos usando os artistas locais e começou a agitar pelo menos dois projetos que deram bons frutos: um foi a coletânea Projeto Hyper, envolvendo gente de várias bandas. Outro foi a Tom Bloch. No estúdio de Cholly, a partir de uma música e da vontade do Pedro Veríssimo, começou a se formar a Tom Bloch. A germinação dessas duas sementes já daria um blog à parte.


marcos injetando uma brasilidade no disco

Para a produção do 90 Graus, chamamos o Iuri Freiberger, parceiro da banda desde o primeiro ensaio e responsável pela gravação de algumas de nossas cassetes. Hoje produtor chamado em tudo quanto é canto do país, na época o Iuri estava, como nós, descobrindo o que fazer dentro do estúdio. Como era tradição, entregamos nossas músicas ao Iuri com um orçamento apertadíssimo de gravação.

90 Graus foi gravado em fita magnética de ¼ de polegada e oito canais no Estúdio Underground, um lugar simples, despojado, tosco. Primeiro, gravamos a bateria, que foi reduzida para dois canais. A seguir, usamos os seis restantes pro baixo, as duas ou três guitarras e as vozes. As guitarras foram gravadas juntas, ao vivo. Tudo era monitorado numas caixas Sony de um system caseiro do Iuri, o que explica em parte porque o som do disco saiu meio toscão também. Isso foi em setembro de 98.

Só em outubro de 99 é que gravamos a voz e mixamos tudo no Cholly Studio, sem o Iuri, tudo com o Charles. Não me lembro bem porque não tivemos o Iuri junto. Nem ele lembra.


marcos & marco, o dono do estúdio

O processo de composição do 90 Graus foi o mesmo de toda a história dos Walverdes: alguém trazia um riff e trabalhávamos juntos em cima dele muito rapidamente até dar forma às músicas. Eu fiz grande parte das letras, mas deve ter alguma coisa que comentamos juntos em mesa de bar.

Musicalmente, cada música trazia mais evidente algum ponto das nossas influências: o Nirvana e os Pixies davam as caras em Câncer, Meu Bar e Música Away; o hardcore era o fio da meada de 1996; Spaghetti denunciava o quanto andávamos escutando Supersuckers; Eu Vou Sobreviver tinha um quê de Sonic Youth e um pouco da pré-historia do grunge (meio Melvins, meio Bleach). Ainda sobrava Vem, com um leve sabor psychobilly, que o Gian curtia bastante.


gian em um momento de estupefação



Uma pena que um tempinho depois do 90 Graus perdemos o Gian, que dividia as guitarras comigo desde o primeiro disco e que trazia uma bagagem que ajudou a formar a nossa identidade. Além de compor, diferente de mim o Gian também era capaz de solar e os solinhos que permeiam todo o disco são uma espécie de marca registrada do jeito como combinamos nossas guitarras.

nunca pensei que fôssemos ser bem falados na Guitar Player

Por pura implicância, resolvemos marcar o show de lançamento do 90 Graus fora de Porto Alegre. O local escolhido para marcar o início da função era o Curupira Rock Clube, uma fazendola em Guaramirim, interior de Santa Catarina, que atraía todos os malucos num raio de 200Km: indies, punks, hippies, bêbados, qualquer coisa que não estivesse alinhada com a cultura germânica-empreendedora da região convergia automaticamente para aquele galpão de madeira com chão e palco de cimento (no qual nós até pernoitamos uma vez).

Nos tocamos cinco pessoas no meu Ka: a banda e mais Vinicius, amigo do Marcos e escalado para ser roadie, porteiro, segurança, motorista e parceria.

mais estrelinhas que o Capital Inicial e a Kellis: isso é o que interessa

Por que 90 Graus? Na cassete “Vai, Criança, Faz a Tua Arte”, há uma música chamada 90 Graus. O nome da música não tem a ver com a letra, mas com a guinada de 90 graus que a música dá depois do segundo refrão.

Que, na verdade nem um refrão é, porque não tem nada cantado, é apenas a segunda repetição do primeiro break. Então é isso que é 90 Graus: uma guinada brusca e reta em uma direção perfeitamente perpendicular ao riff principal, executada após o segundo break em cujo lugar deveria, pela cartilha pop e bons modos, haver um refrão.

Discoteca Básica Walverdiana 1: Every Good Boy Deserves Fudge


Every Good Boy Deserves Fudge foi uma grande influência para os Walverdes em todos os aspectos: nas distorções rasgadas à base de fuzz, na bateria supersônica e mais acelerada e no clima de bom humor que imperava no disco. Também fãs de Stooges, Sonics e MC5, não foi difícil para nós encontrar em Every Good Boy um pouco do nosso próprio jeito de fazer música: misturar a tosquice e a velocidade do punk com uma certa influência melódica do garage rock dos anos 60 e as viagens distorcidas e saturadas de feedback que o Mudhoney trazia da psicodelia e nós do Sonic Youth.


Good Enough: hit no Lado B.

As intervenções do guiarrista Steve Turner, que pontuavam versos e viradas de cada música, eram de certa forma originais e roubamos isso pra usar em várias músicas, de um jeito meio torto que acabou virando nosso. Sem saber como explicar o que ele fazia, cunhamos o nome científico “esquindola”: toda intervenção aguda, curta e serelepe de guitarra que servia para quebrar o tédio de um riff sendo repetido por mais de 15 segundos.


FuzzGun 91: instrumentalzinha marota

Outra coisa que pilhamos desse disco descaradamente foi o hábito de compor pequenos temas instrumentais. Nosso primeiro álbum abre com um deles e algumas fitas cassetes nossas também traziam esse brinde.


Into The Drink: tocamos até hoje nos shows

Conheci esse disco através de uma fita cassete que o Marcos mandou gravar na Toca do Disco, uma loja aqui em Porto Alegre que existe até hoje e que na época prestava esse serviço - ainda não havia a questão do DRM...


Let Is Slide: como descrever essa música?

A melhor frase pra descrever esse disco vem do seu produtor, Conrad Uno: “Tudo que você precisa é um gravador de fita magnética, um microfone e um reverbzinho maroto”. Com apenas isso em oito canais, o Mudhoney fez não apenas seu melhor disco como um dos melhores e mais originais registros do arcabouço que se convencionou chamar de grunge.

E fez-se a luz

Era moda ser cabeludo. Simples assim.


Minha primeira lembrança dos Walverdes é de uma série de ensaios no estúdio Tan, no bairro do Menino Deus em Porto Alegre, onde eu e o Marcos morávamos. Um estúdio quase profi pra época, grande, decente, limpo, a uma distância caminhável de casa. Ainda tinha um palquinho de madeira pra bateria que dava um sonzão massa. Tinha ar-condicionado!!

***

No primeiro dia tinha mais gente do que instrumentos: o Marcos na bateria, o Iuri Freiberger se revezando em diversas posições, o Luis Fernando numa guitarra, o meu colega de faculdade Frederico Messias na outra e o Felipe Pérez, vizinho meu e do Marcos, no baixo. O Marcos me corrigiu: na verdade teve um ensaio antes disso com o Luciano de Morais no baixo. Não me lembro muito bem como é que rolaram as coisas, só sei que depois de algumas sessões o Fred caiu fora, o Iuri passou apenas a nos gravar, o Luciano também deixou a história e sobramos só eu, o Marcos, o Felipe e o Luis Fernando.

Eu não sabia tocar absolutamente nada, então apenas cantava e inventava as letras, sempre em cima de conversas incongruentes que tínhamos. Ficávamos lá, fazendo jam sem saber tocar e num certo ponto sei lá como apareceram seis ou sete músicas. Grande parte delas composta pelo Luis Fernando, que era o que mais dominava seu instrumento. Metade das músicas era meio punk (não porque escutássemos punk, mas porque era o que conseguíamos tocar), metade meio funk metal (porque era o lance da hora).

O Marcos não era cabeludo. Não andava na moda.

Antes de nós sempre ensaiava a Produto Nacional, seminal banda de reggae portoalegrense, que nos recebia com toda a sua simpatia (eu achava que era simpatia), os caras repletos de sorrisos mesmo quando estávamos já querendo entrar ansiosos. Isso era fevereiro de 93, aqueles verões absurdamente quentes da capital gaúcha, o que não nos impedia de beber coisas como Velho Barreiro e Sete Campos de Piracicaba pra aquecer antes de tocar.

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Esses ensaios são o que consideramos o início de tudo. De lá saíram as músicas para os primeiros shows e para as primeiras demos. Foi tudo muito simples e comum: meia dúzia de amigos que se conheceram no bairro ou na faculdade começando a tentar emular seus ídolos de um jeito muito tosco. Não havia nenhum tipo de pretensão declarada ou grandes planos. Nem pequenos planos, tampouco planos médios. Repetindo, era tudo muito simples. Queríamos apenas nos reunir, beber, bater papo, tocar e, com isso, conquistar o mundo.

De touquinha beastie boys da moda: Luis Fernando. Cabeludo da moda: Iuri Freiberger.

As conexões eram mais ou menos assim: eu, o Marcos e o Felipe éramos vizinhos de prédio. Compartilhávamos alguns gostos musicais, trocávamos vinil e fitas cassete, essas coisas. Nunca vou me esquecer do dia em que nos encontramos na janela do Felipe e comentamos a matéria do Fernando Naporano no Dóris Para Maiores (precursor do Casseta & Planeta), tipo 89 ou 90. Era sobre o "Lurch", termo precursor do grunge. Falava do Nirvana e do esquecido Sun Carriage. Ali já dava pra perceber que alguma coisa ia acontecer em breve. Brincamos naquele dia: "imagina se daqui a um tempo o rock toma conta das rádios". Rimos bastante disso, mas aconteceu. Pouco tempo depois o Nirvana desbamcava o Michael Jackson na parada americana e tudo quanto é rádio de qualquer biboca começava a tocar bandas até então desconhecidas como o Faith No More e depois o Soundgarden e o Pearl Jam, só pra dar alguns exemplos...


Luciano, baixista de um só ensaio; recentemente, sua marca de cachaça patrocinou alguns shows


Toda banda nasce com um contexto mundial e outro local. O mundial, então, era esse: o Guns'n'Roses, o Chilli Peppers e o Faith No More abrindo caminho pra explosão das guitarras distorcidas que viria a seguir. A MTV brasileira fazendo o papel de "abertura das importações" e a cultura pop nacional começando a alinhar seus planetas de forma mais ampla com a cultura pop anglo-saxônica.

O contexto local era um reflexo do contexto mundial. Porto Alegre começava a responder a essas estímulos com a gestação de toda uma geração de novas bandas criadas nos bares da avenida Osvaldo Aranha, tradicional reduto underground desde os anos 80. O bar Porto de Elis recebia todo início de semana a Segunda Sen Ley, idealizada pelo Egisto, ex-Colarinhos Caóticos (abrindo um precedente vivo até hoje, que é um bando de loucos fazendo festa na segunda-feira, coisa ainda rara fora do eixo São Paulo-São Paulo).

Depois de uma época de semi-marasmo no cenário roqueiro da cidade, a movimentação recomeçava com mais intensidade. A Rádio Ipanema FM continuava a fazer o papel de divulgar as bandas muitas vezes em horário nobre, mesmo que gravadas em toscas fitas cassete. Só o que faltava era surgir um ponto geográfico na cidade que fosse única e exclusivamente dessa nova geração. A Osvaldo Aranha por muitos anos ainda foi importante no encontro da galera, mas ela pertencia de certa forma aos anos 80 e a coisa toda pegou mesmo quando o povo começou a subir do Bom Fim para a Independência, um trajeto de cerca de dez quadras com uma ladeira a enfrentar (você podia escolher qual rua subir). Era comum ficar encontrando gente de banda ou da "cena alternativa" a noite inteira circulando entre os dois pólos.

Lá em cima, mais próximo do centro da cidade e da Avenida Farrapos (que reunia e ainda reúne grande parte dos puteiros da cidade), surgiu uma espécie de região com todos os aspectos necessários para o crescimento de uma cena musical: uma casa noturna pra shows e dois bares com ceva barata pra galera aquecer na rua.

A rua se chamava Barros Cassal. Os bares eram o (até hoje ativo) Bambu's e o Ceva a Um Real (eternizado em "Merda de Bar" da Comunidade Ninjitsu). A casa era o mítico Garagem Hermética.

Esse foi o Triângulo das Bermudas indie portoalegrense, onde muita coisa aconteceu, onde muita gente se perdeu e muita gente se criou. Inclusive os Walverdes.

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PRÓXIMA ATUALIZAÇÃO LÁ PELO DIA 5 DE MARÇO!!